Chegamos mais a uma comemoração da Páscoa. Aliás, entra ano e sai ano comemoramos a Páscoa em nossas igrejas. Reunimos-nos num belo culto, com participações de várias igrejas, com um coral entoando lindos hinos, sob os temas das sete palavras na cruz e na participação de todos na ceia do Senhor. Na realidade esta é uma liturgia quase imutável que ocorre todos os anos nas igrejas.
Em seu significado amplo, arremete-nos ou para o início da história dos judeus (libertação do povo da escravidão do Egito) ou para início da história da igreja (libertação da humanidade de escravidão do pecado) Os eventos são altamente significantes e carregados de ensinamentos que objetivam conduzir a igreja a uma teologia de vivencia com Cristo.
Ao observarmos os textos nos evangelhos sinóticos, notaremos que Jesus era uma pessoa pública de alto envolvimento na sociedade. Participativo de sua cultura e das necessidades dela. Um homem simples com palavras profundas capaz de nortear a vida dos que nEle criam. Ensinava, comia, curava, amava, caminhava, não à distância mais bem presente. João chegou a registrar esta presença como, "O Verbo se fez carne e habitou entre nós", na personificação divina no meio dos humanos.
Quando o texto em Mateus 21:10b diz "Quem é este?", a pergunta é clara e faz ressaltar a alienação completa daquele povo quanto à pessoa de Jesus. A forte da cultura judaica, religião ao único Deus (judaismo), desfrutava da Torá, dos Livros dos Profetas e das interpretações quanto o anúncio da vinda do Messias. Três anos conviveram, andaram, ouviram e viram o cumprimento desta profecia na pessoa de Jesus, no entanto, neste ponto da história, muitos não sabiam de quem se tratava.
Quando olhamos para a igreja embrionada na morte e ressurreição de Cristo, nascida nas mensagens da justificação pela fé de Paulo, cunhada nas lutas apologéticas dos pais da igreja e reformadores e alicerçadas nos movimentos de santidade; constatamos que o tempo vem produzindo a perda da sensibilidade, do amor, do bom senso e automaticamente o distanciamento do Jesus em nós . A mesma pergunta então, de Mt 21:10b, se faz presente nos cristãos desta geração por não possuirem mais a identificação de morte e ressurreição em suas vidas. Desconhecem que Páscoa comemorativa, na realidade, é aplicativa em cada membro participante do corpo.
Piamente creio, que os conceitos teológicos de morte e ressurreição ainda estão afinados em nossas mentes, mas longe do foco quanto ao significado no ser holisticamente. Infelizmente, o que vemos não é um experimentar do morrer e do ressuscitar. Não há mais espaço no evangelicalismo brasileiro de um compromisso sério com Deus. Páscoa, desdobra-se em nosso meio somente como um fato histórico ocorrido no I século e a comemoração deste no século atual. A hermenêutica e a aplicabilidade se posicionam em polos opostos. A exemplo de Cristo em Sua vida, morte e ressurreição, a igreja contradiz esta vida, morte e ressurreição.
Mas como isto é identificável na vida do cristão neste tempo? Da mesma maneira que fizeram nossos antepassados: "Quem é este?" A igreja deste tempo faz esta mesma pergunta quando demonstra um total desconhecimento de Jesus quando suas práticas de anulação da ética, omissão social e distorção da verdade decretada são as evidências de sua mensagem.
A ética se tornou nula pela ganância ao lucro. Brota-se os executores, gerentes, produtores de marketing, gestores todos debaixo do santo ofício. O amor ao dinheiro se prioriza à pessoas. Não há piedade diante das necessidades de irmãos ou seja lá quem for. Busca-se o objetivo pessoal a qualquer preço, ainda que tenha de romper com a ética e viver na superficialidade de uma teologia que enaltece a hipocrisia.
Bill Graham disse que erramos ao "negar que tenhamos qualquer responsabilidade social como cristãos"1. A igreja também se encaixa aqui. Veda à realidade encarnada de muitos, somente alguns poucos, que dela paraticipam, parece não estar nesta dimensão. Assim, não entende que leis regem o mover da vida e necessitam ser respeitada pela igreja. O bem, nos amparos legais, não é proporcionar vantagens e conquistas ao outro. Pensar desta forma é mesquinhez e espiritualidade desencaixada com o real. A justiça está mais no campo do complicar do que ser justo à luz da Palavra.
Justiça é um tema bem peculiar no contexto de Isaías 64:6 "Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças são como trapo de imundícia". Exegeticamente "nossas justiças" conota uma justiça própria, a uma religião falsa; enquanto "trapo de imundícia", potencializa uma verdade que ninguém desejaria saber: reutilização de panos menstruais. É por aí que conduzimos as questões sociais com aqueles que nos cercam.
Quanto a Verdade decretada, a pluralidade das verdades passou a ser a nova teologia que reconduz a vida do cristão aqui na Terra. Firmeza e convicção se tornaram sinônimos de exclusão e acepção em muitos ramos evangélicos desta geração. Tudo se tornou mais elástico em nome do amor e da graça. Princípios da Palavra de Deus, até então imutáveis, são facilmente adaptados aos interesses e prazeres de uma geração que diz igreja.
Então, por que celebramos a Páscoa se nossa fé e ações como igreja não se identificam com Ele? Páscoa nunca foi e nunca será um evento somente histórico e comemorativo. Páscoa é morte no que tange o romper com o identificável neste mundo e ressurreição como um novo momento na vida dos que fazem parte da igreja de Cristo no agora.
Enfim, Páscoa é conscientização daquilo que Paulo expressou a igreja em Roma como a conquista maior de liberdade cristã: "Nenhuma condenação há para aqueles que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne mais segundo o Espírito" Rm 8:1.
Isto é Páscoa, não mais viver segundo a carne, mais segundo o Espírito.
1. CARVALHO, Guilherme Vilela Ribeiro de. RAMOS, Leonardo e et alli(Org). Fé cristã e cultura contemporânea. Editora Ultimato. 2009, p. 22.