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quarta-feira, 24 de setembro de 2008

A SEMELHANÇA DE CRISTO: CRENÇAS E EFICÁCIA HISTÓRICA

O artigo abaixo foi escrito para a PRIMEIRA CONFERÊNCIA TEOLÓGICA NAZARENA IBEROAMERICA, San José, Costa Rica – 18 e 19 de outubro de 2004. Creio ser pertinente compartilhar neste momento atual para a nossa reflexão ministerial.

O tema é uma perspectiva do que se espera de qualquer cristão que recebe e segue a obra de nosso Salvador e Redentor Jesus Cristo. Traz em si um cunho tanto teológico como prático para a vida da comunidade cristã, a fim de compreender que o significado de ser “semelhante a Cristo” expressa uma identidade comparativa de um ser com outro.

No livro de Mateus, Jesus compartilha, com os discípulos, que ser semelhante a Ele implica segui-lo no mesmo caminho ao Calvário: “quem não toma a sua cruz e vem após mim não é digno de mim” (Mt. 10:38). A clareza nestes dizeres ressalta que o caminho de cada membro integrante do Seu reino deve ser o de abnegação dos valores do mundo, da transitoriedade do homem e da contemplação passageira. Calvário é o lugar onde todos se tornam semelhantes a Cristo.

Sem o calvário, não existe possibilidade de esta semelhança ser uma realidade concreta na vida cristã. As implicações da semelhança se tornam patentes, quando não somente seguimos, como também estamos dispostos a fazer as mesmas coisas que Ele fez. “Não tomar a cruz” é “não estar disposto a sofrer morte de mártir, como um criminoso sentenciado, forçado a levar o madeiro da cruz ao lugar de execução” (Tasker, 1999:87); consecutivamente, é não aceitar a condição de tornar-se semelhante a Ele.

Nas cartas de Paulo, ser semelhante a Cristo é estar morto para si mesmo. “Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que agora tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gal. 2:20). Ao escrever esta passagem aos gálatas, a semelhança em Cristo se evidencia na mortificação do próprio eu. O reflexo da vida de Cristo produz, em cada integrante do reino, uma concreta identificação, que começa a fazer parte do momento em que estabelecemos a “união com Cristo” (Howard, s/a:91) neste mundo e tem seu ápice na eternidade. “Cristo em vós a esperança da glória” (Col. 2:14). Não existe espaço para o “eu” dentro da teologia paulina. Ou o “eu” está vivo ou o “eu” está morto. Se o “eu” está vivo, a semelhança de Cristo é utopia, se o “eu” está morto, a semelhança de Cristo é uma veracidade.

Assim, “em Cristo” será uma das expressões predileta de que Paulo fará uso em sua teologia, para mostrar à comunidade da igreja que não existe, em momento algum, o comparativo de semelhança com Deus, sem a plena cruz, por trás de cada um de nós. As implicações, ao se fazer uso da expressão “em Cristo”, refletem que ser semelhante a Ele implica em unir-se a Ele por completo e obter na vontade, pensamentos e emoções resultados idênticos ao Deus-homem que morreu na cruz.

Na carta de Pedro, semelhança a Cristo está associada a “santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração” (I Pe. 3:15ª). O recurso aqui apresentado é que o cristão só passa a ter uma identidade completa com a pessoa de Cristo, à medida que em sua vida há um mover “não somente em reverenciar e honrar a Deus, mas glorificá-lo mediante a obediência aos Seus mandamentos” (Hill, 1972:136). Isto é a tônica em toda a carta petrina, que procura demonstrar que a práxis da vida cristã torna-se identificável, com o Salvador, quando cumprimos em nós o que Ele disse e fazemos o que Ele fez em todos os trajetos da sociabilidade em que estamos envolvidos, como servos, cristãos e cidadãos.

Pedro não está muito preocupado com as prováveis mudanças que poderiam ou deveriam ocorrer na sociedade, nos idos 60 a 65 d.C., mas com a vida interior de cada cristão como reflexo de Deus na comunidade dos viventes . Como diz Elliott “a mudança proposta não dizia respeito às estruturas da sociedade, mas às atitudes do coração e da consciência “( Elliott, 1985:78) expressas anteriormente nas passagens de I Pe. 2: 19-20; 3:3-4 e posteriormente em I Pe. 4:15-16,21.
Mas, se o pensamento de Jesus, Paulo e Pedro trouxeram a essência teológica do cristianismo da semelhança de Cristo, o que podemos refletir sobre estes conceitos na prática, para a igreja atual?

No ministério

Uma pergunta coloca em ênfase a nossa responsabilidade ministerial: estamos ensinando, pregando e vivendo na igreja e na sociedade como pessoas que expressam a verdadeira semelhança de Cristo?

Cremos piamente que muitos têm exercido esta prática bíblica e transformadora de vida, porém também, esta não é a realidade de muitos. Religiosidade tem se tornado a capa, que esconde a superficialidade, o desleixo e falsa piedade, da falsa aparência da semelhança de Cristo. As ações sempre acabam revelando o que se encontra no coração do homem que se opõe a Cristo e, fatalmente, irá de encontro ao que se prega e ensina. Na história vamos nos deparar com situações como esta. Paulo dirigindo-se aos Coríntios escreveu:

“... irmãos não vos pude falar como a espirituais e sim como a carnais, como a crianças em Cristo... porque ainda sois carnais. Portanto, havendo entre vós ciúmes e contendas, não é assim que sois carnais e andais segundo o homem. (I Co. 3:1-3).

Simplesmente demonstrou que certo número de irmãos, por mais que fizessem parte de uma comunidade de Cristo, não eram semelhantes a Cristo, não viviam uma vida semelhante a Ele. Eram pessoas que tomavam atitudes como qualquer homem natural e aliavam à vida cristã práticas que contradiziam o que professavam, sem a menor preocupação de autocrítica. Lutero não teve a intenção de mudanças, a não ser no coração, pela Palavra de Deus, daqueles que se encontravam na condição de conduzir a igreja em conformidade com Cristo.

Na atual conjuntura, o que significa conduzir o ministério à semelhança de Cristo? É ter o ministério, família, interesses pessoais e materiais e a valorização do próximo fora do propósito de glorificar a Deus. Os puritanos viam “a família, a igreja, o Estado, as artes e as ciências, o comércio e a indústria e o envolvimento das pessoas nestas diferentes circunstâncias como as diversas áreas nas quais, o Senhor e Criador de todas as coisas poderia ser glorificado e servido” (Hulse, 2004:26). Isto é ministério à semelhança de Cristo.

O caminho do Calvário nunca foi atrativo, pois obedecer inclui sacrificar o próprio “eu” e a “santidade implica separação da desobediência e da incredulidade” (Mcknight, 2001:8-9). Aliás, Finney falava com muita propriedade, quando comentava que: “Ninguém pode ser cristão, se a não desejar sinceramente (a santidade) e não procurar constantemente obtê-la...” (Wood, 1965:132). Infelizmente, esta condição é uma realidade que muitos vivenciam no seu ministério, independente da linha histórica de que provém a igreja. Por isso, alguns têm se posicionado no grito de chega! Precisamos de uma reforma na reforma, já dizia Caio Fábio, há um tempo.

Carecemos retornar aos princípios bíblicos de santidade não somente para o conhecimento, creio que já o temos suficiente, mas também, para que, na misericórdia de Deus, o coração se faça semelhante ao de Cristo e homens e mulheres, na responsabilidade de conduzir o rebanho, se tornem assemelhados a Ele, ao demonstrarem sua “preocupação em determinar os detalhes de sua vida – no lar, na igreja, no mundo – de modo que agradem a Deus” (Pink, 2003:3). Este é o ministério que nos identifica com Cristo, o princípio de santidade e a condição de ser semelhante a Ele.

Na igreja


É notável, nos dias atuais, que a igreja, corpo de Cristo, não tem se submetido, às vezes, a estes princípios. A idéia da semelhança de Cristo parece mais retórica de púlpitos, temas de livros ou algo que simplesmente subsiste na mente, mas não no coração. Os imperativos “não pequeis” (I Jo.2:1ª) e “sede santos”(I Pe 1:16) não têm sido os temas prediletos no fórum de audiência da igreja, que conduzem a uma reflexão e tomada de posição na conquista da semelhança com o Salvador.

A expressão de Jesus “toma a minha cruz, projetando o calvário à frente” é bem definida por Paulo como morte do “eu” e por Pedro, como vida espiritual – santificação. Mas será que estes pronunciamentos bíblicos, que sinalizam a nossa conduta, como igreja, diante de Deus e dos homens, estão sendo observados e praticados no presente século?

Concordo plenamente, quando dizem que a igreja tem chegado há dias, que não tem expressado o verdadeiro sentido de identidade com Cristo. A identidade cristã pode estar mais associada a um ajuntamento de pessoas com o título “crentes”, do que o reconhecimento de sermos a imagem que reflita a de Cristo, na essência de nossa mensagem de santidade e a da aplicabilidade dela em nossas vidas.

As raízes históricas de santidade, em que a igreja do nazareno caminha, não são suficientemente a essência que leva a igreja a ser santa no momento histórico em que vivemos. A história passada mostra a origem do movimento de santidade e como moveu a vida da igreja naquela época e, isto foi fundamental no passado; agora, serve de exemplo a ser seguido. Precisamos, porém, resgatar a busca do coração sem pecado e a purificação pelo Espírito Santo e a inteira santificação em nossa história presente, para um futuro promissor. A igreja, noiva de Cristo, deve estar perfeitamente movida, não somente no kerigma de santidade como também na koinonia e práxis de santidade. O pensamento de Wesley nunca foi fugir do “foco da necessidade sua de santidade” (Heitzenrater, 1996:218). Da mesma forma, devemos ter isto em mente e no coração como igreja: que precisamos de santidade sempre.

Portanto, estamos em plena harmonia que a semelhança de Cristo deve refletir em nós o Seu amor, sua compaixão, sua mensagem de salvação, seu modelo disciplinador e sua mensagem de santidade, porém devemos entender que por trás disto tudo deve haver antes o calvário, a morte de si mesmo e santificação de vida. Estas foram as raízes históricas de santidade deixadas por Jesus e pelos apóstolos à igreja. Sem medo de errar, é o único caminho que nos transforma à imagem e semelhança de Cristo dentro da nossa história presente.

Bibliografia

Elliott, John H. Um lar para quem não tem casa: interpretação sociológica da primeira carta de Pedro. São Paulo: Paulinas, 1981.

Hill, David. The Gospel of Matthew. Grand Rapids: Eerdmans, 1972.

Heitzenrater, Richard P. Wesley e o povo chamado metodista. São Bernardo/Rio de Janeiro: Editeo/Pastoral Bennett, 1996.

Howard, Richard E. Novedad de vida: um estúdio em el pensamiento de Pablo. Missouri: Kansas City.

Hulse, Erroll. “Os puritanos”. In: FÉ PARA HOJE, nº 23, ano 2004.
Mcknight, John. “A santidade de Deus: a raiz da separação eclesiástica”. In: FÉ PARA HOJE, nº11, ano 2001.

Mueller, Ênio R. I Pedro: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1988.

Pink, A. W. “Santidade prática” In: FÉ PARA HOJE. nº 12, ano 2003.

Tasker, R.V.G. Mateus: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1999.

Wood, J. A. O perfeito amor.Campinas: Editora Nazarena, 1965.

Por
Eduardo R. da Silva
Vice-reitor do STNB